Farei uma confissão que pode irritar alguns cinéfilos: dentro do balaio do cinema de terror que abordava satanismo e bruxaria dos anos 1960 aos 1970, A Profecia de Richard Donner sempre esteve entre os que eu menos gosto. E com isso, jamais quero dizer que é um filme ruim que não merece seu status de clássico do gênero, mas sim que, comparado aos seus contemporâneos O Bebê de Rosemary, O Exorcista e Possessão, se destaca bem menos na abordagem macabra de sua temática.
Ironicamente, a nova prequel A Primeira Profecia surge muito influenciada por alguns desses títulos e configura-se como a maior surpresa de 2024 até aqui. Afinal, diferente de outras obras recentes derivadas de grandes clássicos do horror, o lançamento de Arkasha Stevenson não está preocupado em simplesmente jogar referências e homenagens supérfluas para os fãs do longa de 1976. Muito pelo contrário, o interesse aqui é estabelecer uma narrativa de origem que praticamente ressignifica o original em uma abordagem feminista e questionadora da Igreja Católica no contexto contracultural dos anos 1970. Isso, claro, sem sacrificar a potência frontal do terror.
Não há aqui aquela abordagem do terror “elevado” e metafórico dos últimos anos que visa esconder a relação mais instintiva (e física) com o público. A diretora não teme usar uma linguagem mais formalista, que vai desde o uso do slow motion para potencializar determinados momentos - como aquele que faz clara alusão à cena emblemática protagonizada por Isabelle Adjani em Possessão - à cada vez mais renegada aplicação dos jump scares. Aqui, Stevenson reconhece o jump scare como uma técnica que pode ser utilizada para reforçar a paranoia da personagem de Nell Tiger Free, algo importantíssimo para uma protagonista que surge como vítima (não tão) inconsciente da repressão da Igreja, além de outros fatores que estão em território de spoilers.
E nesse campo da visão feminista da obra, é interessante notar como a cineasta subverte certos clichês em prol de sua ideia, tirando o foco do terror individual (o filme chega a ameaçar criar “um novo Damien” com a personagem de Nicole Sorace) para algo mais coletivo, que remete mais à relação de Rosemary com os idosos Castevets e seu marido no clássico de Roman Polanski. Há muito sobre gaslighting, misoginia e abuso sexual nesse filme, muitas vezes não de forma literal ou óbvia, mas a partir de imagens impactantes e incômodas (e aquela que envolve um parto ficará na minha memória por um bom tempo).
Dito isso, acredito que A Primeira Profecia chega a rivalizar com ou até mesmo superar o filme original de Donner, noção que realmente me pegou de surpresa durante a sessão. Toda a construção é tão bem realizada e equilibrada que, quando ouvi a icônica e aterradora música-tema Ave Satani no clímax, não pude evitar de me sentir completamente dominado por um frio na espinha tamanha a gravidade de toda aquela situação que se consumava. E, modéstia à parte, fazer um fã de terror sentir frio na espinha não é nada fácil!
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