Já vou tirar o elefante da sala e admitir: eu sou um dos maiores defensores do primeiro Aquaman de 2018. Não só o defendo como afirmo ser o melhor filme desse tal Universo Estendido DC (DCEU), que se despede agora como um projeto desorganizado e fracassado mas que, ao meu ver, teve muitos louros que muitos acabam deixando passar por puro senso comum, atrelado à constante comparação com o concorrente Universo Cinematográfico Marvel (MCU) – que, agora, também enfrenta seus próprios problemas com o público. E o filme de “despedida”, para a surpresa de muitos, é sobre aquele herói que nos quadrinhos e animações era sempre relegado à zombaria e ao deboche.
Mas por que isso mudou? E será que mudou mesmo? Bom, o maior mérito do original de 2018 havia sido escapar da sisudez do universo imposta pela visão cinzenta e mitológica de Zack Snyder e demonstrar certo orgulho de assumir frontalmente o subgênero ao qual pertence. Por isso, era divertido assistir ao Arthur Curry de Jason Momoa dando uma cabeçada em um enorme sino de igreja que estava prestes a ferir um jovem; era fascinante assistir a Mera de Amber Heard transformando uma adega siciliana em inúmeras lanças arroxeadas contra seus inimigos; e, mais do que tudo, era mágico conhecer a Atlântida multicolorida e vivaz concebida por James Wan, que em nada lembrava aquele poço escuro introduzido por Snyder (e Joss Whedon) em Liga da Justiça. Essa vivacidade e capacidade de se divertir em um longa que – ora bolas – se propõe a ser divertido muito provavelmente é mérito do tato que o cineasta James Wan tem para o cinema fantástico e frontal. E foi justamente isso que recebi novamente com O Reino Perdido.
Ok, podemos até dizer que esse segundo capítulo foi prejudicado por inúmeros fatores, em especial o anúncio precoce do fim do DCEU e as polêmicas envolvendo a participação de Heard após sua disputa com o ex-marido Johnny Depp no tribunal. Então sim, Aquaman 2 possui certos probleminhas chatos de edição ou de coerência possivelmente gerado por certas “tesouradas” na metragem, mas ainda assim alcança um resultado consistente não apenas com seu antecessor como também com o subgênero de super-heróis no geral, surgindo bem mais imaginativo visualmente do que o mais recente Besouro Azul ou seus equivalentes da concorrência, como Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania e As Marvels.Atlântida e sua população continuam interessantes (embora menos explorados), o bom humor se mantém, o desapego ao realismo está mais forte do que nunca e agora existe certa abordagem retrofuturista que, se já era presente no original, é potencializada aqui com o uso de convenções que remetem aos longas protagonizados pelo James Bond de Roger Moore, pelo Indiana Jones ou até mesmo pelo Superman de Christopher Reeve.
Tudo isso, obviamente, com um jogo de câmera muito mais moderno de Wan que transforma as sequências de ação em momentos dignos de videogames, como no momento em que se afasta dos personagens de Momoa e Patrick Wilson enquanto estes caminham para a frente, como aquela “câmera fixa” dos jogos da série God of War.Em contrapartida, nos momentos de luta corpo-a-corpo, Wan faz questão de nos aproximar das armas lustrosas e coloridas dos personagens, tornando cada choque entre tridentes devidamente empolgante. Tudo isso em meio a cenários exagerados, povoados de geringonças esquisitas proporcionadas por um trabalho de set design excelente.
Mas o que eu quero dizer com tudo isso? Bom, justamente que, por mais que seja sim inferior ao seu antecessor por problemas de bastidores que visivelmente prejudicaram o resultado final, Aquaman 2: O Reino Perdido ao menos consegue finalizar seu universo irregular com uma aventurona descompromissada, colorida e que não estabelece compromissos não-correspondidos com o realismo, a seriedade ou uma história auto-indulgente. Não é muito memorável, mas cumpre de forma visualmente criativa seu intuito de ser uma matinê conscientemente boba e ainda assim super carismática. E se essa realmente for a despedida do “Aquamomoa”, talvez o super-herói Aquaman devesse ser mais respeitado daqui para frente, porque James Wan demonstrou com imaginação rara que o mundo dos atlantes tem potencial.
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