Dentro de um cômodo vazio a câmera foca em Olfa, a matriarca de uma família tunisiana composta por cinco mulheres, recebendo as orientações de uma equipe de gravação. Ela começa contando a sua história dentro de uma cultura islâmica tradicional e apresenta suas filhas, aliás, apenas duas delas. As mais velhas já não vivem mais com ela e pouco se sabe sobre o seu paradeiro.
O documentário As 4 Filhas de Olfa da diretora Kaouther Ben Hania trata de temas sensíveis com relação à privação da liberdade feminina através da mescla das performances de atores e não-atores, como exemplo de Olfa e suas duas caçulas, recriando as experiências dessas mulheres em uma única locação. Essa limitação do espaço faz com que o espectador foque no discurso das personagens, elevando mais ainda a potência do testemunho dessa família.
O grande conflito da narrativa é a substituição gradual de uma educação moral tradicional para a entrada de valores religiosos fundamentalistas. Em meio a um conturbado período histórico de mudança política, os símbolos de vaidade e sexualidade são reprimidos.
Por mais que pareça fácil para os olhos leigos ocidentais ir à favor de um “lado bom”, que seria o posicionamento menos religioso, é interessante perceber que o objetivo de Kaouther é bem mais denso. O longa é feminista pelo fato de dar espaço para as contradições, os pensamento intrusivos, a inocência e traumas dessas mulheres, construindo uma colcha de retalhos que provoca o julgamento do próprio público. Essa proposta é genial pelo fato de expôr o quão privamos o corpo feminino ao mesmo tempo que o tornamos público para o nosso próprio interesse.
As 4 Filhas de Olfa é uma obra instigante e necessária, ele denuncia a vulnerabilidade do corpo feminino e as constantes tentativas da sociedade de censurá-lo. Em certa instância, somos capazes de perceber o quão parecidas são as experiências de pessoas que nascem com vagina ao redor do mundo e como todas as forças legislativas e morais ainda não são suficientes para protegê-las.
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