Por muito tempo, ocorreu uma espécie de padronização dentro das animações mainstream – especialmente aquelas lançadas aqui no Ocidente – no que dizia respeito à abordagem formal. A Disney nas animações 2D e a Pixar nas 3D estabeleceram padrões criativos que foram seguidos por estúdios grandes mas relativamente menos influentes, como a Fox, a DreamWorks e a Sony. Nenhum desses grandes estúdios parecia querer arriscar na abordagem estética das animações mais populares, de grandes franquias, até a própria Sony meter o pé na porta com Homem-Aranha: No Aranhaverso. Não que tenha sido originada nela a ideia de usar novas técnicas de animação para contar uma história pop, já que os estúdios orientais (liderados pelo gigante japonês Ghibli) e até o irlandês Cartoon Saloon foram responsáveis por grandes obras-primas em meio a essa padronização norte-americana.
O mérito da Sony, e mais especificamente de Aranhaverso, foi ter mostrado a Hollywood que sair da mesma linha de produção nem sempre é comercialmente negativo para suas grandes franquias, gerando um sucesso absurdo com Gato de Botas 2 e Através do Aranhaverso. E depois de muito tempo sem lançar longas para cinema, a franquia As Tartarugas Ninja (famosa mais por suas séries animadas, HQs e videogames) ressurge nas telonas a partir das mãos de Jeff Rowe, responsável por escrever a ótima série animada Gravity Falls e o ótimo longa A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas. Aqui, em sua estreia como diretor, ele respeita o universo originalmente concebido para a premissa absurda de tartarugas humanoides adolescentes que praticam artes marciais guiadas por um rato humanoide dentro do esgoto. Óbvio que tem toda uma tentativa de modernização das temáticas em relação à dependência tecnológica, às relações adolescentes, entre outros temas que Rowe já tratava em seu roteiro de A Família Mitchell. Tal característica nem sempre soa orgânica ou complementar à ideia estética do filme. Por outro lado, quando são inseridas músicas contemporâneas que vêm do hip hop ao trap, a intenção é clara, já que além de mais populares entre jovens "descolados" (essa palavra ainda é usada?!), são gêneros que cresceram em comunidades marginalizadas assim como as Tartarugas do longa.
A propósito, a temática social relacionada à aceitação do diferente também é uma modernização bacana inserida na narrativa e, tirando um momento ou outro, nunca soa desinteressada. Ela é usada para uma progressão satisfatória da trama principal, especialmente no que diz respeito à relação dos jovens com seu mestre/pai e também com o grande vilão da aventura. E é muito interessante que, mesmo muito influenciada por Aranhaverso nessa onda de misturar animação 2D e 3D dentro de uma abordagem mais "quadrinhesca", Rowe consiga se afastar daquela estética e criar uma mais underground que, apesar de mais sombria e até mais "poluída" em seus detalhes e ângulos, de forma alguma abandona as cores fortes especialmente nos momentos mais divertidos da trajetória. Só é uma pena mesmo que, talvez por essa modernização e uma maior "infantilização" das Tartarugas em comparação com algumas versões anteriores, o diretor tenha deixado as quatro muito semelhantes em personalidade, já que em outras versões, um dos maiores baratos era notar como cada um se relacionava com a situação ao seu redor.
Dito isso, As Tartarugas Ninja: Caos Mutante respeita seu próprio subtítulo ao compor uma aventura de ação caótica e absurda a partir do ótimo uso de um estilo de animação que vem se popularizando cada vez mais nas animações mainstream. E agradeço a Aranhaverso e a Jeff Rowe que esse grupo que marcou tanto minha infância tenha recebido finalmente mais um filme à altura da criação de Kevin Eastman e Peter Laird. Que Leo, Donnie, Mike e Raph tenham chance de brilhar mais uma vez em uma futura sequência!
Comments