Há uma tendência que muitos cineastas autorais já consolidados costumam seguir uma hora ou outra em suas carreiras: a obra metalinguística. Alguns vivem disso, como é o caso de Woody Allen ou do iraniano Jafar Panahi. Outros esperam certo amadurecimento artísticopara realizar esse tipo de projeto. E fato é que Wes Anderson é um dos diretores mais autorais de sua geração– senão do Cinema como um todo – e, pela sua assinatura mais teatral e farsesca, era óbvio que em algum momento seu trabalho metalinguístico chegaria.
Dito e feito, já que acompanhamos duas tramas em seu mais novo Asteroid City: uma se passa durante os ensaios de uma peça de teatro, enquanto a outra encena de forma “mais cinematográfica” a peça em questão e, como em muitas obras metalinguísticas, é óbvio que ambas começam a se chocar em algum momento. E já vale dizer que todas aquelas características “andersonianas” que vimos em títulos como Os Excêntricos Tenenbaums, Moonrise Kingdom e O Grande Hotel Budapeste estão presentes aqui, desde a tonalidade pastel de cores inusitadas à simetria compulsória, passando pelas performances contidas e melancólicas, e até um uso muito interessante e engraçado da técnica de stop-motion já trabalhada pelo cineasta nas suas animações O Fantástico Sr. Raposo e Ilha dos Cachorros. Porém, há certas particularidades na encenação desse seu novo trabalho que valem destaque.
Como afirma o crítico Marcelo Hessel em seu ótimo texto sobre o longa, “Anderson está justamente numa jornada maximalista onde tudo se torna não apenas sistematizado ao extremo mas também transparente e abrangente nas suas escolhas visuais e textuais.”Basicamente, o diretor aqui cria uma representação exagerada – ao seu estilo, é claro – das diversas características de um tempo específico da História norte-americana. E da mesma forma que vez ou outra saímos de Asteroid City (a peça) para acompanharmos os bastidores da mesma, vez ou outra Anderson ainda usa de sua representação farsesca do passado para comentar momentos históricos recentes, como a pandemia de COVID-19 que assolou o mundo em 2020 e 2021 e que ainda demonstra seus efeitos catastróficos nos dias de hoje. Pode-se notar isso pela abordagem temática da quarentena e dos conflitos gerados dentro desse contexto, desde manipulações midiáticas à paranoia – características não coincidentemente também presentes na época retratada na peça/no filme, o início da Guerra Fria.
Porém, acho que vez ou outra, o estilo de Anderson surge como uma assinatura pela assinatura, muitas vezes não sendo muito justificado além do simples formalismo autoral. E é algo que sinto em alguns de seus filmes, como no caso de Viajem a Darjeeling. Parece que a maior intenção é gerar uma filmografia de unidade estilística imaculada, mesmo que algumas propostas vão à contra-mão dessa sua identidade.
Ainda assim, não é algo que prejudica TANTO Asteroid City que, mesmo não sendo um dos filmes mais consistentes da carreira de Anderson, ainda gera trechos belíssimos de pura poesia visual e narrativa, como aquele momento que conta com a participação rápida de Margot Robbie. Com seu novo projeto, o diretor demonstra então que, mesmo com o estilo já um tanto desgastado, ainda tem um senso artístico apuradíssimo.
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