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Desde o jovem clássico Filadélfia, o cinema mainstream vem tendo dificuldade de encarar um drama/romance LGBT sem recorrer à estratégia melodramática questionável de “punir” seus personagens gays ou trans com destinos terríveis e até dramas baseados em fatos, como Meninos Não Choram ou Clube de Compras Dallas, acabaram soando exploratórios em sua abordagem sobre transfobia ou a epidemia de Aids nos EUA, por exemplo.Felizmente, a maior sensibilidade em retratar o assunto vem crescendo, especialmente nos círculos mais independentes. Filmes como Moonlight, Me Chame pelo Seu Nome e alguns de Céline Sciamma são exemplos claros.
O recém-lançado Blue Jean, longa britânico conduzido pela diretora Georgia Oakley, também se insere nessa seara de obras sensíveis ao retratar as angústias da comunidade LGBT frente a uma sociedade intolerante e autoritária, mais especificamente o Reino Unido dos anos 1980, quando o governo conservador da primeira-ministra Margaret Thatcher visava aprovar uma série de leis – conhecida como Cláusula 28 – que proibia a “promoção e propagação da homossexualidade”, seja lá o que isso queira dizer. Oakley então cria um estudo de caso, tanto no espectro social quanto psicológico, ao retratar a vida de uma professora lésbica de Educação Física que é constantemente bombardeada por notícias relacionadas ao tal contexto político.
E quando escrevo “bombardeada”, não é à toa, já que a cineasta faz questão de martelar na cabeça do público essa onipresença opressora a partir de rádios, televisores, comentários paralelos, outdoors, pichações... É algo que, à primeira vista, pode soar óbvio e repetitivo, mas é aí que está o propósito: Blue Jean é um dos dramas mais imersivos a tratar sobre o tema, já que passamos cinematograficamente por todos os incômodos que a protagonista passa. Destaca-se aí também a fotografia granulada em 16mm, a atmosfera gélida e solitária gerada pelas sombras pesadas e pela imagética azulada, e a câmera de Victor Seguin que insiste em retratar Jean em planos solitários, geralmente com poucas palavras.
E é aí que entra a performance excepcional de Rosy McEwen, que reflete toda a intenção de Oakley com a personagem. É uma mulher amedrontada, com razão, pelas condições ao seu redor e que teme perder tudo por ser quem realmente é. McEwen apresenta então uma performance caladona, contida, retraída, constantemente incomodada e sempre alerta para possíveis más notícias. E é exatamente por essa crosta reprimida ser tão constante que chega a ser mágico e comovente a forma com que ela esbanja um sorriso depois de certo confronto em uma confraternização, naquele que é um dos momentos mais belos dos últimos anos. Por outro lado, seu medo serve como um conflito dramático e moral interessante catalisado por sua namorada Viv (Kerrie Hayes) e pela sua aluna Lois (Lucy Halliday): até que ponto a auto-preservação é mais válida do que a resistência? Definitivamente é uma faca de dois gumes e o filme jamais responde a questão, reconhecendo sua eterna dualidade.
Em resumo, Blue Jean é um drama social e psicológico sobre a opressão que obriga pessoas inocentes a usarem máscaras farpadas e torturantes para esconder quem realmente são. Mas também é um longa que questiona quanto tempo essa máscara deve permanecer e que entrega esperanças para que, quando ela for removida, essas pessoas não precisem temer por suas vidas. E não é necessário sensacionalismo e exploração exacerbada de sofrimento para passar uma mensagem tão poderosa!
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