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É muito comum vermos, nas grandes premiaçõesrecentes, filmes de guerra espetaculares em sua escala de produção e em sua capacidade imagética. Alguns exemplos que ficaram marcados são Até o Último Homemde Mel Gibson, Dunkirk de Christopher Nolan, 1917 de Sam Mendes e Nada de Novo no Front de Edward Berger, todos que caminharam de uma forma ou de outra na trilha deixada por O Resgate do Soldado Ryan de Steven Spielberg. Porém, há um certo problema semiótico em alguns desses títulos mais recentes, já que a intenção dessas obras costuma ser crítica à natureza da guerra e da auto-destruição humana, mas geralmente a abordagem imagética é a de um filme de ação; ou seja, transformando a guerra em espetáculo e, com isso, esvaziando a própria crítica pretendida.
Felizmente, esse é um problema do qual o drama franco-senegalês Herói de Sangue não sofre (será?!), já que o diretor Mathieu Vadepied aproxima mais sua abordagem da Primeira Guerra Mundial daquela explorada em 1957 por Stanley Kubrick no excelente Glória Feita de Sangue, com Kirk Douglas. Aqui, acompanhando pai e filho senegaleses que são obrigados pelos colonizadores franceses a entrarem em uma guerra que não os pertence, Vadepied aproveita para tornar a guerra uma maldição na vida de pessoas inocentes que estão ali contra a própria vontade e se esforçando ao máximo para sair daquelas condições, abordando também a romantização da mesma pelos jovens soldados.
Falando em jovens soldados, há um paralelismo forte entre duas relações paternas diametralmente opostas que, por mais que pudesse ser melhor explorado com mais tempo de projeção, ainda assim deixa sua marca pela evidência de um elemento que realmente me fascinou no filme: a atenção cultural aos personagens e o choque entre eles e seus colonizadores. Um dos momentos mais simbólicos nesse sentido é aquele que envolve um funeral particular depois de uma batalha sangrenta no front.Destaque aqui para as duas sensíveis performances de Omar Sy e Alassane Diong, que constroem uma dinâmica cuja força torna-se essencial para o potencial dramático do longa.
Sobre a abordagem que explicitei no segundo parágrafo, há aqui uma fuga da espetacularização da guerra, já que pouquíssimas vezes a ação se transforma em motor dramático. Ela está ali para ser nauseante, confusa e incerta, sem um trabalho de cores vivas ou imagens plasticamente belas. Não há também apelo excessivo à violência, muito menos uma tentativa de escondê-la.Porém, devo apontar que fiquei razoavelmente frustrado com a forma que Vadepied decide concluir seu projeto. Há uma certa complacência na forma como a homenagem final é construída que soa contraditória com a abordagem do restante do projeto, o que representa um escorregão um tanto grave.
Ainda assim, não há como negar que Herói de Sangue é um dos retratos mais honestos de um campo de batalha que eu vi recentemente no cinema de guerra. E por mais que deslizes aconteçam, estão ligados mais a armadilhas semióticas do que a uma real desonestidade de seus realizadores. Pelo menos, espero que assim seja!
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