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Foto do escritorAndré Luis Coutinho

Os Rejeitados: um Natal solitário nunca foi tão encantador


Podem me chamar de Grinch, mas eu definitivamente não me empolgo com filmes natalinos. Enquanto muitas pessoas esperam a reta final de dezembro para maratonar comédias, dramas e romances natalinos, eu simplesmente assisto aos filmes que me dão na telha. Afinal, não acho o Natal uma época tão empolgante quanto os norte-americanos parecem achar e filmes natalinos, em grande número, acabam seguindo um padrão idealista (também norte-americano) que simplesmente cansa depois de tanto repeteco requentado. Mas isso quer dizer que o tema nunca funciona?


Obviamente não! Afinal, dependendo dos realizadores por trás, um filme natalino pode se tornar um clássico inspirador como A Felicidade Não Se Compra, um romance fantástico imaginativo como Edward Mãos de Tesoura, ou até um filme de ação explosivo e alto-astral como Duro de Matar. E por mais que Os Rejeitados não reinvente a roda dos filmes norte-americanos inspiradores que se passam durante o Natal, há uma sensibilidade patente do diretor Alexander Payne ao abordar, junto com o espírito da época, assuntos fortíssimos como luto, solidão e abandono de tal forma que se fundem perfeitamente à comédia situacional exercitada aqui. Portanto, temos aqui um dos filmes mais equilibrados e definitivamente dos mais encantadores de 2023!


Para começo de conversa, diferente do recém-lançado Saltburn que faz uso de uma razão de aspecto reduzida horizontalmente sem motivo aparente, aqui Payne diminui razoavelmente o quadro não apenas para remeter ao cinema dos anos 1970 (década em que a história se passa) como também para reforçar a solidão daqueles personagens em um internato escolar que, com a chegada das festas de fim de ano, fica vazio ao ponto de soar opressivo para os três personagens que acompanhamos aqui. Ademais, a escolha dos anos 1970 para encaixar a história não é puramente estilística. Além de ser uma época isenta de tecnologias de comunicação além do telefone fixo e das cartas (o que também potencializa o desamparo dos protagonistas), também teve um Cinema marcado pela melancolia e pela quebra do idealismo utópico norte-americano, gerado especialmente pela reivindicação dos Direitos Civis de certos povos minoritários e pela Guerra do Vietnã, dois assuntos abordados aqui não apenas como contextualização histórica mas também por serem catalisadores de certas realidades particulares.


E é exatamente isso que o filme de Payne mais preza: os retratos particulares das vidas solitárias de três pessoas extremamente distintas, de um aluno relegado a segundo plano pelos pais, passando por uma cozinheira preta que teve seu filho injustamente morto no Vietnã (sim, por questões raciais e de classe), e culminando em um professor aparentemente tirano e mal-intencionado que na verdade esconde uma insegurança que chega a ser comovente na performance de Paul Giamatti, um dos maiores destaques nessa temporada de premiações. Unindo seu visual peculiar à estranheza de seus modos e ao seu vasto conhecimento que usa muitas vezes como escudo emocional, o personagem de Giamatti (também chamado Paul, vale dizer) é a figura mais fascinante por transformar um arco dramático batido – o velho ranzinza que aos poucos amolece o coração pelo aprendiz – em uma tocante abordagem do meio-termo entre frustração e empatia.


Mesmo que se renda a inúmeros clichês em seus minutos finais de exibição, a verdade é que Os Rejeitados constrói tão bem esse trio de protagonistas que sinceramente não importam as facilitações em sua conclusão, já que Payne faz com que tudo o que importe seja a felicidade genuína daquelas pessoas tão solitárias. E sinceramente... Não é esse o espírito do Natal? Agradeço a Payne por ter me feito chorar de alegria, mais do que de tristeza, com sua mais nova crônica sobre pessoas imperfeitas em um mundo que parece não perceber suas presenças.

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