Pelo visto, assim como Pinóquio, Elvis Presley também é um favorito da Sétima Arte dos últimos anos. Em 2022, tivemos o suntuoso Elvis comandado por Baz Luhrmann que garantiu algumas boas indicações no Oscar e que eu considero um filme bom, mas que aos poucos perde a autoria extravagante de seu realizador (perfeita para retratar o Rei), se rendendo às convenções de dramas cinebiográficos repetitivos e sem muita inventividade.
Eis que recebemos Priscilla, longa que adapta a autobiografia de Priscilla Presley e que, por isso mesmo, chega com uma proposta que chamou minha atenção desde o anúncio: retratar a verdadeira relação de Elvis – então com 24 anos de idade – com uma jovem protagonista de 14 anos, o que o filme de Luhrmann fazia questão de abafar não apenas por conveniência, mas também por focar no Elvis como showman e em sua relação com o “Coronel” Parker. E minha intenção não é comparar os dois filmes aqui o tempo todo, mas é inevitável já que não posso de forma alguma ignorar o contexto em que ele foi lançado.
Há aqui certas decisões que considero fundamentalmente responsáveis pelo ótimo primeiro ato do filme. Primeiramente, ao escalar atores diametralmente opostos em altura, Coppola já impacta visualmente com as diferenças entre os dois personagens. E aqui quero dedicar um momento à performance de Cailee Spaeny, que dá vida a Priscilla com uma dinâmica dramática admirável, especialmente ao auxiliar sua diretora nessa ideia da juventude roubada, na idealização do feminino a partir de uma mulher em formação. Da ingenuidade e deslumbramento da adolescência à mecanização e retração dos estágios finais de sua relação com Presley, a Priscilla Beaulieu de Spaeny torna-se uma personagem trágica vitimizada não só pelo aliciamento de homens mais velhos como também pela nocividade do show business, uma espécie de Nasce uma Estrela em que o buraco está mais embaixo.
E como o filme gira em torno dela, nada mais justo que essa protagonista ser a catalisadora de todas as sensações que Coppola busca do público. Então quando está coberta por uma maquiagem pesada e um penteado extravagante que surge quase maior que ela mesma (e além, carregando um FILHO), a cineasta mais uma vez gera um choque através da imagem, uma estranheza de que aquela garota não deveria já ter passado por tudo aquilo com a idade que tem. Ela era literalmente uma boneca manipulada por uma indústria e pelo artista mais influente inserido nela.
Dito isso... Eu não sinto que o filme busca ir além nesse discurso. E ao longo dos outros dois atos, responsáveis por demonstrar a ferrugem e a queda do relacionamento dos dois, percebe-se um elemento na edição que demonstra certa falta do que dizer: a natureza episódica que parece dedicar cada cena a um marco específico da vida da protagonista para, logo em seguida, cortar para o próximo. É como se o resto do filme seguisse a estrutura que eu chamo de “Wikipedia filmada”, onde cada tópico da página da Wikipedia se torna uma cena do filme. E sim, lembra daquelas convenções de dramas cinebiográficos que eu citei ao falar do Elvis de Baz Luhrmann? Bom, Sofia Coppola também acaba sendo vítima disso, mesmo buscando o outro lado da história. Enquanto temos um início bem desenvolvido, bem pensado e que constrói sua ideia de forma orgânica, aos poucos nos deparamos com... MAIS UMA cinebiografia não muito interessante como Cinema.
Sim, o discurso e a ideia ainda se fazem presentes, e Spaeny sustenta o filme inteiro nas costas – recebendo a ingrata tarefa de transmitir o que precisa em pílulas de cenas que focam mais em eventos específicos do que na própria personagem-título – mas todo o aspecto formal do filme parece simplesmente querer arrastar a história para seus minutos finais, que são muito bons e que até me remeteram ao Spencer de Pablo Larraín até certo ponto. Infelizmente a jornada até lá acaba sendo vitimada por uma fórmula que insiste em sabotar dramas biográficos, mesmo que tenha um ótimo começo. Uma pena, a história de Priscilla podia ter gerado um fruto bem mais interessante!
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