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Eu só ouvi falar do diretor iraniano Jafar Panahi em 2019, na faculdade, quando minha turma assistiu em sala de aula seu longa-metragem de 2015, “Táxi Teerã”. Lá, Panahi atuava como motorista de táxi e usava a câmera no painel do carro para capturar as corridas que fazia para pessoas comuns da capital iraniana, construindo a partir dos diálogos com os passageiros uma espécie de mosaico social da opinião pública sobre a cidade e o país. Porém, uma questão sempre permanecia naquele filme: o que era encenado e o que era realmente documental?
Bem, se já não sabíamos naquele caso, em sua mais nova obra “Sem Ursos” a situação fica ainda mais nebulosa. Aqui, Panahi – mais uma vez “interpretando” a si mesmo – está dirigindo um filme passado na Turquia. Porém, como está proibido de deixar o território iraniano, coordena tudo através de um notebook em um vilarejo conservador próximo à fronteira. Tudo se complica quando problemas na produção de seu filme e no próprio povoado que o abriga começam a surgir sem o seu controle.
O mais interessante aqui é como Panahi conduz esse filme sob um formato documental, com uma câmera na mão, observadora mas geralmente distante para evitar incomodar aqueles a sua volta. E a dúvida sobre a real natureza do longa começa a ser provocada pela própria trama, a partir do “filme dentro do filme”, aquele que está sendo dirigido pelo personagem Panahi. Constantemente, essa é a questão que passa pela nossa cabeça: o que pode ser real ali? E a forma sutil mas fascinante com que essa ideia se liga ao título do filme me surpreendeu positivamente.
Porém, essa ideia construída pelo diretor está longe de ser apenas para gerar indagações no público e, na realidade, busca uma ideia ainda mais profunda: destruir a linha tênue entre realidade e ficção justamente para expor como ambas podem se confundir quando falamos sobre conflitos humanos, especialmente em uma realidade como a do povo iraniano. A vida real pode ser interessante e conturbada o suficiente para dispensar efeitos dramáticos e, por isso, o “filme dentro do filme” se confunde com a realidade de “Sem Ursos” da mesma forma que “Sem Ursos” se confunde com a nossa realidade, especialmente com a do próprio diretor Panahi. (Basta uma breve pesquisa no histórico de ativismo político do diretor e das consequências que isto lhe causou.) É um quebra-cabeças de pontos de vista que jamais se soluciona facilmente e, quando busca impacto, o alcança com maestria justamente por essa crueza e imersão documentais.
Em um texto com spoilers, eu poderia dissertar muito mais sobre esse brilhante ensaio social, político e antropológico de Panahi (mais um de vários), mas creio que se me estender, posso acabar entregando informações que não deveria. De qualquer forma, basta frisar que “Sem Ursos” é mais um dos instigantes experimentalismos de Jafar Panahi com o formato documental e espero que sua filmografia ainda renda suculentos frutos como esse... e que o governo iraniano não o impeça de entregá-los!
O filme estará disponível em vários cinemas do país na primeira edição do Festival Filmelier no Cinema! De 19 de abril a 14 de maio.
Assista ao trailer:
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