Quando escrevi sobre Barraco de Família (um dos meus primeiros textos para o site), argumentei como a comédia brasileira entrou em uma linha de produção fordista a partir dos anos 2000, com produções como Se Eu Fosse Você e Até que a Sorte Nos Separe moldando o gênero aqui no país com base na linguagem televisiva das sitcoms e dos programas de esquete como Zorra Total. Porém, com o advento da internet e o crescimento da produção de conteúdo através de redes como YouTube, Instagram e mais recentemente o TikTok, essa linha de produção estabeleceu uma fórmula adjacente voltada para o público adolescente, geralmente fãs dos tais “influenciadores digitais”.
E é em meio a isso que produções estreladas por Larissa Manoela, Klara Castanho, Maisa Silva e Mel Maia (só para dar alguns exemplos mais conhecidos) acabaram virando uma espécie de subgênero que eu gosto de apelidar de “cyber-chanchadas”, justamente por se apoiarem em referências da cultura online brasileira mais relacionadas à Geração Z. Isso é necessariamente algo ruim? Claro que não; a priori, nenhuma ideia é ruim, mas quando tais ideias são incorporadas nessa linha de produção que parece não só escrita mas também produzida e – pior – dirigida por uma inteligência artificial a partir de algoritmos despejados pelas redes sociais, a situação muda de figura.
Não dá para ver uma mão humana na feitura de Tá Escrito, nova comédia protagonizada por Larissa Manoela. E não me entendam mal, a culpa não é da atriz, que eu considero talentosa mas que jamais conseguiu espaço para mostrar seu talento em produções desse tipo. Por sinal, vale destacar que alguns atores que rodeiam ela aqui fazem o possível para melhorar o material, como Victor Lamoglia (um ótimo humorista físico) e a excelente Karine Teles. Mas mesmo assim, todo o resto parece planejado e posicionado por uma versão avançada do ChatGPT, desde a antagonista que surge como uma nova sensação do momento a partir de sua popularização pelo TikTok (que encena um videoclipe praticamente completo sem nenhum motivo narrativo), passando pelo romance artificial formado ao longo da trama e chegando ao ápice na abordagem temática. E não é de se admirar que o filme muitas vezes pareça aproximar Astronomia (uma ciência exata) da astrologia (uma pseudo-ciência baseada em crenças), em um erro crasso que parece surgido a partir do embananamento da tal inteligência artificial.
Junto a essa confusão entre os dois termos na qual o filme forma sua base, há outra confusão aqui quando falamos da abordagem do humor. Afinal, estamos falando de um filme protagonizado por jovens adultos e até idosos (não vemos crianças praticamente) que conta com inúmeros palavrões, referências sexuais aos montes... Mas que ainda assim, em quase sua totalidade, abusa de piadas infantilizadas e até mesmo performances dignas de telenovelas infantis como aquela que popularizou sua estrela focal, Carrossel. Basta notar a caracterização do personagem de André Luiz Frambach e de tudo que o acompanha (inclusive no clímax) para perceber como o tom humorístico aqui jamais se encontra.
Por essas e outras, Tá Escrito se enquadra como uma das piores produções de 2023, não por ser uma comédia adolescente, nem por estrelar Larissa Manoela, nem por abordar astrologia como catalisador fantástico... Mas sim, por simplesmente não ter ideia do que quer fazer com seus personagens e atores para além das referências vazias, artificiais e caricatas ao universo online que atrai os jovens da atual geração. O problema nunca é ter um público-alvo específico; o problema é achar que esse público-alvo não merece coisa melhor!
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